Naquela manhã, aparentemente terna e estimulante, banhada
pelo conforto do vento suave que acaricia a tez, Sara, por instantes, guardou
em si todos os problemas do mundo.
Ao longe, águas com partículas atómicas dançantes,
percorriam o leito que as abraçava e que Sara jamais conseguira ter, num
contraste de cor e som. O seu Eu e o leito sempre foram preenchidos por fluídos
que adornavam as paredes encarecidas e tristonhas daquela casa, assim como
pelas marcas que alcançavam a alma.
Subitamente, a seu lado, apercebeu-se da existência de uma
víbora que dava início ao seu manjar: uma codorniz que via assim o princípio do
fim, na teia do encantamento feroz e traiçoeiro de um instante de confiança. A
poesia não residia ali. Uma vez mais, assim como em tantas das páginas da sua
vida, a liberdade fora-lhe roubada.
Sara, gritou. Um grito que trouxe consigo a libertação de
uma dor interna, incomensurável, profunda e agonizante. Sabia-a interminável,
sem solução aparente ou próxima e de difícil credibilidade por parte dos familiares.
Num ápice, a presença do pai, acentuou o tom mais agudo proveniente das suas
entranhas A dissonância residia ali. Uma outra vez, aquele que a devia protege-la de um mundo inquieto,
domou-a como uma serpente no Paraíso, entre palavras vãs e gestos rudes.
A
penetração forçada, antecedida por um soco no seu rosto, deu-lhe alento, por
forma a tornar-se dominadora. Num movimento de prazer dolente e inquietante,
libertou a fera contida em si. O punhal e o cutelo estavam mesmo ali ao lado,
disfarçados entre a vegetação impávida e serena. Mulher serpente, domou a
ignorância de um falo maldito, apoderando-se do objeto de prazer: o punhal.
Ergueu-o e…
No dia seguinte, os média farejavam cada canto daquela
localidade, adormecida pelo sangue, o manto negro, as palavras das comadres e o
arrepio daquele que foi o último grito. Como sempre, apesar de todos conhecerem
o passado de submissão e violência desta jovem, poucos são os algarismos capazes de
quantificar a maledicência gerada em torno daquela mulher, desprovida de asas.
Em casa, dado o trabalho jornalístico dúbio, todos se sentiram no direito de
julgá-la. Logo ela que, entre problemas e só problemas, definitivamente
acabara por “alimentar” os decompositores daquele solo fértil. O preço da
justiça.
Olá 🍁
ResponderEliminarUm texto muito forte.
Muito bem escrito.
Gostei. 🍂🍀
Muito obrigado! 🙏
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